quinta-feira, 27 de junho de 2019

13.400 km de 125cc na Patagônia

Saindo um pouco da nossa cobertura de viagens de Toyota Bandeirantes:

Em 2015 tentei organizar com um grupo de amigos uma expedição para o altiplano andino na fronteira do Peru com a Bolívia em torno do Lago Titicaca e sua cultura milenar. Era uma tentativa de fazer a expedição com uma equipe mínima de vídeo e transformar a viagem num conteúdo para TV e/ou Internet. Mas a conjuntura não estava boa e apesar de termos conseguido apoio em equipamentos da Mormaii, outros apoiadores deram pra trás acusando a crise o que inviabilizou o projeto... Ficou o roteiro para uma outra hora. 

Tínhamos reunimos quatro toyas para a expedição que não aconteceu, uma delas era de um novato nesse tipo de aventura o Junior Saraiva que iria conduzir a Bruta, como ele chama seu jipe, acompanhado de seu filho Lucas de 13 anos. 


O Junior estava louco para ir numa expedição dessas com seu carro e tinha aquele carinho com a sua Bandeirante 1985 que a nossa turma costuma ter com as suas viaturas. Apesar de não ter rolado a viagem ficamos amigos por conta do assunto Toyotas e nos encontrando eventualmente em torno dos carros.


Um belo dia de 2019 estava no Facebook e vi que o Junior Saraiva estava partindo de moto com objetivo de ir até Ushuaia... E estava indo de moto, uma Suzuki Intruder 125cc ! Como hoje em dia as comunicações são muito mais avançadas desde quando eu e o Gama fizemos a Volta Patagônica em 2006. Comecei a acompanhar as publicações do Saraiva no Facebook e fiz alguns comentários sobre as rotas na Argentina. Só trocamos umas rápidas ideias na semana que estava saindo por whatsApp.




Resolvi postar a viagem dele do meu ponto de vista viajando virtualmente sem sair do Cacupé, Ilha de Santa Catarina. Foi muito incrível, logo eu estava acompanhando o deslocamento do Saraiva no Google Earth e me comunicando com ele diariamente ajudando com informações do que havia pela frente. Viajei com ele e foi muito interessante essa experiência, a partir de Buenos Aires seguimos em contato.
Assim o Junior adormeceu na
cidade de Azul, Argentina.
Mas quando ele andava perto da Península Valdés já estava achando muito frio, estava de moto...  Vi uma publicação em que ele reclamava do frio na Ruta 3 uma vez que ele rodava até cair a noite e aí o ar fica bem gelado ainda mais em março, eu sempre fui em fevereiro e mesmo assim pegamos 6 graus negativo as 10 horas da manhã chegando em Ushuaia em 2006. Com isso ele pensou em ficar só por ali na Península e voltar.

Enquanto eu confirmava as rutas para dar uma alternativa ao Junior, permanecer na mesma latitude devido ao frio e ir até Esquel via Los altares para conhecer a Ruta 40, ele fez outra postagem chegando em Comodoro Rivadávia. Então chamei no whatsApp e perguntei: ué não tinhas desistido de Ushuaia?




Ele achou melhor ir até o fim da Ruta 3 pra ver no que dava, enquanto aguentasse ele prosseguiria, se desse iria até USHUAIA. Estava provando ser da área, um verdadeiro outlander, chegou até ali dormindo ao lado da estrada, tocando 700 km até a noite cair, como devem ser essas travessias e expedições para longe.








Passando pela Província de Chubut, Argentina
Então persistiu na Ruta 3 até a fronteira com o Chile, entrou pegou a balsa para atravessar o Estreito de Magalhães e prosseguiu na terra do fogo até San Sebastian. Esse trecho eu ia antecipando as distâncias para ele em mensagem por what’s up ou Facebook quando ele estava em alguma cidade.









O Saraiva chegou mais longe de 125cc do que as nossas duas bandeirantes em 2006, fomos até Ushuaia, mas ficamos na cidade e subimos o Glaciar Martial e ele foi até o Parque Nacional do Tierra del Fuego onde acaba a Ruta 3 e tem até uma placa. Mas não viu o Canal de Beagle lá de cima como nós vimos em 2006.




O Hotel Fantasma


A Verdinha e a Excalibur esperando a balsa para a Terra do Fogo em 2006.


Na saída dele da Terra do Fogo é que passei uma situação inusitada no Google Earth, a essa altura eu estava empolgado em revisitar aquelas paragens mesmo que só acompanhando a viagem do meu amigo. Nesse clima estava me adiantando para sugerir uma opção de pouso que ficava bem no entroncamento da ruta que sai da balsa do Estreito de Magalhães com a que vem da Argentina e costeia o estreito em direção oeste a Punta Arenas e Puerto Natales.

Mergulhei no Gooogle Earth para achar a Hospedaria El Tehuelche, nome original dos patagãos antigos habitantes do local, na Volta Patagônica que fizemos em 2006 tive um probleminha no turbo na reta da saída da balsa em direção a estrada para Punta Arenas. No fim da reta vi um luminoso HOTEL, era a Hosteria Tehuelche, sobre a qual fiz até um post (aqui) nesse blog.


Consertei a Verdinha aí mesmo pela manhã, remanejei uma abraçadeira redundante para substituir a que caiu do turbo e estava incomodando.

Uma casa bem antiga e muito bem preservada, estilo inglês, provavelmente sede de uma fazenda de ovelhas, só que não. A casa não estava lá no entroncamento na qual a conheci e me hospedei em 2006. Nada nem o jardim. Achei que tinham feito uma nova estrada, percorri voando no Google para um lado e para o outro a Ruta 255 chilena que leva a Punta Arenas bem no cruzamento com a Ruta 257 que vem da balsa e nada!

Sumiu a casa, o jardim, não ficou nem uma marca no terreno, na hora parecia um filme de ficção científica: será que eu e o Gama em 2006 paramos num hotel fantasma?... kkk

Não é claro! Temos fotos, dormimos, acordamos, arrumei a Toya, tomamos café e seguimos viagem.

Quando achei o Saraiva de novo, que não parava sua aventura enquanto eu perdi um Hotel no Google Earth, ele já estava a caminho de Puerto Natales que eu havia recomendado como melhor opção para conhecer Torres del Paine, só contei pra ele a história do hotel fantasma aqui quando ele voltou.




Torres del Paine é uma estrada linda para as Toyas, mas o rípio que começam normais no fim da estrada, perto do lago Grey, ficam do tamanho de pedras de rio. Para moto é muito difícil, alertei o Junior que já tinha visitado o Parque só nos primeiros caminhos e já sentiu o problema.

O rípio é uma características das estradas patagônicas que só que já circulou por lá é que sabe bem como é. O território patagônico é, segundo Francisco Pascasio Moreno, conhecido como Perito Moreno: "o maior depósito de seixos rolados do mundo". E é verdade, facilmente constatável andando-se por lá de jipe, imagina de moto.


O Saraiva chegou no local um pouco depois de acontecer.

As estradas são todas feitas com esse material socado. Só que quando não tem asfalto ou calçamento é só no rípio que forma dois ou três trilhos onde a gente roda, mas se sair do trilho é só pedra lisa solta. É como sair da pista no gelo, não para mais... 
Muita gente já se acidentou por lá devido a esta peculiaridade das rutas patagônicas com casos até fatais.

O Junior já tinha tido seu batismo de rípio lá na Península Valdés, mas mesmo assim alertei que a Ruta 40 em 2006 era toda de rípio, conhecida como La ruta de la muerte da fronteira próxima a Puerto Natales até uma cidade chamada Perito Moreno uns 800km ao norte era tudo rípio.



Mesmo assim ele foi indo e pedindo informações atualizadas sobre a estrada a sua frente. Olhando no Google já avisei que em alguns trechos era possível ver asfalto, mas não havia street view em tudo para confirmar.
Como a região é bem mais erma sem cidades só nos falamos quando ele já estava em El Calafate e confirmou que a Ruta 40 que passamos eu e o Gama é coisa do passado já estava tudo asfaltado exceto uns pequenos trechos.










O relato do Junior Saraiva sobre o Glaciar Perito Moreno me fez lembrar da minha impressão sobre estar diante dele pela primeira vez. Deve ser um dos glaciares mais fotografados do mundo e muito antes de eu chegar diante dele já havia visto muitas fotos, mas na frente daquela parede de gelo estalando é que a gente vê que este soa como uma trovoada ao longe, vai estalando, quebrando rachando e fazendo os ruídos desses movimentos. Aquele vento vindo muito frio vindo do glaciar continua o caminho daquele rio de gelo até vir congelar quem na sua frente não estiver prevenido com as roupas certas.

Dali pra cima o Saraiva tinha muito chão de Ruta 40 até encontrar algum destino turístico, mas como ele foi me confirmando de Tres Lagos até Bajo Caracoles já estava tudo com asfalto.
Na nossa viagem em 2006 este trecho demorou bastante e em Bajo Caracoles entramos para o oeste pela Ruta 41 até a fronteira do Chile. Então ele andou mais rápido que nós e logo estava na região de Esquel, El Bolsón e Bariloche onde fez uma parada para descansar o esqueleto e fazer um turismo no Lago Nahuel Huappi que é muito lindo mesmo.








Encontro de Suzukis viajeras...



Então algo, que também me moveu a atravessar a Argentina e o Chile pela primeira vez em 1991, entrou na cabeça do Junior: estou perto do Oceano Pacífico ali do outro lado da Cordilheira, vou até lá! Assim com este espírito aventureiro e planejando apenas o dia seguinte ele atravessou mais uma vez a fronteira chilena para conhecer o Pacífico pela primeira vez.





Que galinha bicuda é essa?  - Aí se chama bandurilla, mas é igual a nossa Curucaca.
Atravessou a Cordilheira na altura de Bariloche com o objetivo de ir até a costa chilena e pernoitou na cidade de Osorno, mas os destinos conhecidos e famosos estavam fora do alcance da logística de um dia então sugeri que ele procurasse qualquer cidade costeira pequena, uma caleta de pescadores que ele encontraria comida e algum lugar para ficar.


E foi o que ele fez foi ao ponto mais próximo do passo que ele atravessou os Andes apenas 30 km da Ruta 5, a artéria principal do país, sobre o Pacífico ele me mandou pelo whatsApp:   “cheguei aqui é uma emoção...  se tem que ver , aquilo que você falou é tipo uma colônia de pescador assim, uma cidade acolhedorazinha, simplicidade e eu me distanciei da Ruta 5 uns 29 km cara.. mais ou menos 29, 30 km em me distanciei...  na cara do gol aqui, eu vou ver se durmo aqui, arrumar um canto botar meu slipping aqui...” e pernoitou numa varanda em Mehuin na costa chilena na altura do Vulcão Villarica e Pucón.




Em 1991, a minha primeira vez diante do Pacífico, gastei nove slides do pôr do sol na água, o Junior fez com seu celular.




Falei de Pucón e o Saraiva já tinha informação de um camping específico para motociclista lá na beira do Lago Villarica, mas ele tinha ideia vaga de subir talvez até Santiago para cruzar no Passo Los Libertadores. O que não aconteceu por medo do desempenho do motor de carburação simples da Suzuki. O Junior ficou com medo da altitude de 3000msnm.




Acabou dormindo em Pucón e localizei as duas alternativas para ele cruzar de volta para Argentina perto dali, Paso Icalma 1300msnm ou Paso Pino Hachado a 1850 msnm. Pensei em caminhos asfaltados das boas estradas chilenas para facilitar, mas ele chegou até o Icalma por um


caminho mais direto apesar de uns quilômetros de rípio. Foi tranquilo.



Depois de cruzar a cordilheira pela última vez a volta foi assim tranquila, pelo que acompanhei, com algumas erradas e acertos de caminhos, tombos -depois ele contou – cidades perigosas a noite, mas foi tranquilo com direito a parada pra curtir em Buenos Aires e trazendo o Pneu original pra casa saiu da ilha, foi a Ushuaia e voltou careca.. segundo o Junior Saraiva, corretamente orgulhoso do feito: “esse vai pra parede!”
Merece mesmo um troféu essa aventura e o Junior está definitivamente infectado com o vírus do outlander e apaixonado pela região patagônica e os Andes e a postagem ficou longa, mas é como deve ser para tentar contar um passeio de 13.400km!


Programa da TV Metropolitana sobre a viagem.