quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Navegar é preciso...



Confesso que estou com saudades de sair por aí de Toya - a verdinha com alguns pequenos problemas está guardada na garagem faz oito meses, mas prestes a voltar a rodar...

Lembranças de viagem.

Eu nos últimos anos tive projetos de viagens outlander frustrados, por outros compromissos com projetos realizados e/ou dedicação de tempo para projetos futuros que garantam o dia-a-dia e me impediram de rodar por aí como desejo e gosto: patagônia, terra-do-fogo, andes, Atacama, altiplano e todos os “pasos”, “quebradas”, lagos e vulcões dessa cordilheira imensa que vai até o fim da américa austral.

Parque Nacional Aconcágua 1991.





O que me move na direção de horas em estradas retas e vazias ou do frio de acampamentos na beira de lagos das montanhas, passar horas dirigindo comendo castanhas, água e só parando para algumas fotos de um guanaco solitário ou um cactus e seguir viagem até o fim do dia, aí procurar local de acampamento ou pouso e jantar e dormir como uma pedra, satisfeito, mesmo que num saco de dormir no chão?..

Meu quarto em plena  Estepe Patagônica, Ters lagos 2006




Puerto Yungay, Chile, se pegar essa balsa pode-se rodar mais 100 km na
Carreteira Austral até Villa O'Higgins ponto final sul para os carros de qualquer tipo.
Projeto para qualquer dia desses, afinal  em 2006  só cheguei até aí e voltei rss...


Wanderlust é uma palavra alemã que volta e meia utilizo para descrever este meu desejo: ”O sentimento representado por wanderlust é de querer viajar pelo mundo mais do que qualquer outra coisa. É de não sentir-se confortável quando se está estável em um local. É um interesse genuíno por conhecer novas culturas e explorar ambientes ainda não conhecidos. ”... (Internet)

Esse é o meu porto, Cacupé, Ilha de Santa Catarina. Daqui saí diversas vezes para viajar e/
aqui também  sonho planejando outras aventuras...


Deve ser isso  ou também cabe no conceito de “outlander” - o mundo passando sob as rodas -, mas também pode ser algo particular. Eu que sou nascido numa ilha tenho como paisagem naturalmente introjetada de horizontes sublinhados por corpos de água, lagoas e baías, ou encostas de montanhas na beira do oceano e seu horizonte longínquo – quase sempre a há uma linha clara definindo o horizonte. Nos Andes, as grandes montanhas subvertem isso, fora seus lindos lagos de geleiras, a paisagem quase sempre caótica da erosão montanhosa esconde horizontes que parece engolir pelo tamanho imponente de suas rochas e picos nevados de mais de 6 mil metros acima do nível do mar.


Aconcágua, ponto mais alto da América que visitei em 1991, e nesta foto em 2008

Rochas "folheadas" dos vales entre o campos de Hielo do sul do nosso continente. 2006











A primeira vez que vi os picos dos Andes no Parque Nacional Aconcágua em 1991 fiquei apaixonado pela amplitude da paisagem magnífica da região. E descobri que isso está a 3 dias de viagem da minha ilha natal - Ilha de Santa Catarina -  isso se o motorista gostar de tocar direto por retas intermináveis como as da Ruta 7 e outras do pampa e da estepe Argentinos. Para mim, se for de Toyota 1977 melhor ainda...


Voltando da primeira viajem ao outro lado da cordilheira em 1992 - Parque Nacional Aconcágua AR

Cruzando o pampa 1991
Subindo a cordilheira Uspallata 1991

Nessa primeira vez que fomos atravessar até o Pacífico só tinha um mapa de uns amigos do Iate Clube de Santa Catarina que tinham ido até lá rebocando um veleiro até uma prova no Chile, mas eles tinham ido em 1972 e eu estava indo em 1991. Sobre os andes e o pampa imenso e plano do interior da Argentina, além do mapa, eu só tinha lido um livro do Júlio Verne “Os filhos do Capitão Grant” que romantizava a travessia descrevendo a natureza da cordilheira e do pampa argentino, mas Júlio Verne nunca tinha ido até lá.






Eu imaginava que, como tínhamos um pampa plano que se aproximaria de uma cordilheira de 7 mil metros naquele ponto, iríamos ver as montanhas subindo paulatinamente no horizonte, como não havia GPS a bordo naquela primeira viagem não percebi que indo para Mendoza pela Ruta 7 de Leste para Oeste vamos subindo devagar e Mendoza já está a 800 metros sobre o nível do mar. Por tudo isso e mais as nuvens chegamos a Mendoza sem ver os picos nevados dos arredores. Depois ao subir para o Vale de Uspallata que fica a 2 mil metros percebemos melhor a topografia da cordilheira maravilhados com o espetáculo das montanhas, no dia seguinte cruzamos para o Chile pelo Parque Nacional Aconcágua, onde fica o ponto mais alto da América   – foi a minha primeira aula de Geologia Explícita.





Costa do Chile em 1992


Eu e a Chi no Cristo Redentor AR, na frente do Aconcágua na viagem de 2008


Digo isso porque enquanto dirijo observo a paisagem se transformando com olhos de curioso naturalista amador e a geologia se mostra em todo seu esplendor na cordilheira e nas estepes patagônicas por exemplo. A forma das rochas, mesetas e penhascos litorâneos da costa Argentina me deixam curioso quanto a histórica geológica destas paisagens que cruzamos. Sabemos que em plena estepe cortada pelas retas intermináveis das rutas patagônicas se nos afastarmos da estrada 90 graus dentro daquela paisagem desértica ao olharmos para o chão virgem podemos encontrar facilmente fósseis marinhos, conchas e ossos de peixes.



Parque Nacional Torres del Paine, Chile 2006




Carretera austral chilena entre dois campos de gelo Norte e Sul 2006



Uma das melhores coisas das viagens é o aprendizado envolvido, as vezes um encontro casual nos ensina muito. Certa vez em 2005 eu e a Chi atravessávamos a Patagônia Central, saímos de Puerto Madryn a Península Valdes até Esquel já nas bases da cordilheira. O caminho era uma dessas aulas de geologia, a estrada acompanhava o Rio Chubut desde a costa, mas o ambiente era a estepe patagônia desértica. Na ocasião por termos dormido na Punta Norte da península não consegui carregar a câmera Kodak Digital e estava sem filmes analógicos, gastei em Valdes, então perdi de registrar essa paisagem. 


Los Altares, ponto onde quebramos no deserto de Chubut em 2005
Percebi um mau comportamento elétrico no painel do jipe, as luzes piscavam aleatoriamente e assustado parei numa baixada ao lado de umas árvores. Saldo do pit-stop: tínhamos “las roscas del burro-de-arranque” quebradas, quando percebi que não conseguiria concertar o problema ali naquele ponto do mapa, fixei o arranque isolei o neutro, para seguir viagem. A mecânica diesel tem a vantagem de não precisar da eletricidade para funcionar, mas não conseguiríamos fazer o carro pegar no tranco ali em baixo na areia sozinhos. Foi aí que apareceram Rodolfo e Beatriz e seus 3 filhos voltando das férias.


Que passa? Disse Rodolfo.
Estoy sin arranque... e aí ele logo se prontificou a rebocar a Toya para fazer o motor pegar.
Perguntou onde eu estava indo e eu tinha como destino Paso de los Indios...  ele me disse: No ay nada allá! E nos incentivou oferecendo mais ajuda : Venir a Esquel mi ciudad... 
Eles nos ajudaram a dar um tranco no Jipe com sua Chevrolet Blazer e nos acompanharam até Esquel, nos apontaram uma hospedagem lá e no outro dia o Rodolfo voltou ao hotel e me levou até uma oficina de confiança.


Rodolfo foi um anjo conforme procurei definir para o Mário, mecânico que me atendeu em Esquel, - No, disse Mário, es um Gáutcho – assim mesmo com este acento argentino. E me explicou que o homem bom para eles era representado por esse Gáutcho do imaginário regional deles. Aprendi vários termos em mecânica e que o gaúcho para eles lá é um personagem um pouco diferente e mais ancestral do que o do nosso estado vizinho no Brasil o Rio Grande do Sul.



No ano seguinte ao passar lá em Esquel voltando do sul do continente na Volta Patagônica que fiz com o Renato Gama visitei a família do Rodolfo novamente, tomamos um mate, falamos de patagônia e ele ao ver a minha empolgação pela região, foi a biblioteca e pegou um livro e me deu como um regalo: Viajem a la patagônia austral de Francisco Pascasio Moreno, o famoso Perito Moreno.

Francisco P. Moreno
 Confesso que só fui ler realmente o livro em 20011, quando aprendi muito mais do que as viagens patagônicas já haviam me ensinado.



Península Valdes e sua fauna em 2005 na estréia da verdinha nessa vida de overlander.


Na verdade, o aprendizado empírico que a observação naturalista me proporcionou nas viagens somado as explicações do naturalista Perito Moreno ao descrever no livro a sua Patagônia geológica, biológica e cultural (seguindo os rastros de Darwin apenas algumas décadas depois) só me fez amar mais ainda a idéia de dormir novamente no meio da estepe, ou em um vale em meio as montanhas sob aquele céu magnífico.


Em algum lugar da Carretera Austral muito ao sul do Chile em 2006, um bom lugar para parar por hoje....